GENTE QUE É NOSSA GENTE
Outro dia estava eu guiando um grupo de professores de Londrina pelo centro histórico e entrei na Casa da Cultura. Ao passar pela sala central me surpreendeu o que estava exposto no seu interior. Ao ver um objeto específico, fui imediatamente transportado no tempo por minhas lembranças. Ali estava um pedacinho da minha história, a carrocinha de doces do Seu João Padre (Pai do João Bee, Berê e Mariazinha, meus amigos) . Os meus guiados londrinenses perceberam minha emoção e perguntaram o que estava acontecendo. Tive de falar: Aquela era a carrocinha de algodão doces do Seu João, nela eu havia provado das delicias produzidas com todo o carinho por uma das pessoas mais carismáticas que eu havia conhecido. O Seu João vendia ali naquela linda carrocinha os Pés de Moleques tradicionais de Paraty, que são diferentes dos feitos de amendoins que hoje conhecemos, os doces de abóboras e batas doces, os quebra-queixos e o algodão doce que nós ainda crianças víamos ser feito ali na nossa frente. Seu João parava a carrocinha sentava e começava a pedalar dando velocidade na máquina que rodava e ia soltando os deliciosos fios de açúcar que comíamos com gosto. Era uma felicidade para a criançada do bairro o dia que Seu João passava cantando por lá.
Rapidamente o grupo começou a procurar nas fotos se eu estava nelas. É claro que se eu aparecesse em alguma delas lá estaria um menino magricela de calças curtas conforme o comum de minha época de menino. Bem, nas fotos eu não estava, mas tinha uma muito interessante, com Seu João cantando e vendendo para um grupo de turistas, todos risonhos e satisfeitos com as brincadeiras.
Seu João Padre, como era conhecido pe la cidade, gostava muito de imitar personagens da TV, os principais eram o Fred e o Barney, da Hanna Barbera, também usava muito uma frase célebre “Moça Bonita não paga ..., Mas também não leva!” .
O prazer de ter convivido com estas pessoas é algo que não se paga nunca, ter bebido diretamente da fonte destes sábios populares é algo sem preço.
Outra pessoa muito importante com quem tive grande contato foi Dona Benedita Torres, podemos até chamá-la de sábia senhora de nossos tempos, com ela aprendi muito sobre nossa querida cidade. Dona Benedita, ou como era carinhosamente chamada de Dita Torres era nascida no Mamanguá e era títular do cartório de registro civil de Paraty, costumava em nossas conversas falar do Mamanguá, da cidade e de suas lendas, eu ganhava várias horas nas conversas com Dona Dita. Tenho algumas particularidades sobre Dona Dita, porém, ficarão pro futuro.
Outra figura importante da cidade é o Seu Hamilton Calixto, filho do Seu Zuzu e Dona Zilá, pai do Gilmar, da Aninha e da Cimar, que figura interessante é Seu Hamilton. Homem de memória sagaz, detentor de lembranças das histórias recentes de nosso povo, as conversas com seu Hamilton estão gravadas na minha memória e também no meu computador. Com este sábio cidadão aprendi muito e aprendo até o dia de hoje. Seu Hamilton me contou sobre o Senhor Durval Coupê Moreira, Alfredo Turco e sobre várias pessoas de nossa Terra. Que memória privilegiada, tem este meu amigo.
Tem tanta gente de quem posso falar aqui, como o Diuner Mello, amigo de tempos ao qual devemos grande parte dos conhecimentos que temos sobre Paraty, do Zé Murilo, irmão do Diuner, gente boa a toda prova, eu gostava muito de passar as tardes na “Preferida” conversando com o Zé e ouvindo as suas polemicas. Por várias vezes vi o Zé Murilo deixar guias completamente sem graça na frente de sua loja, enquanto falavam besteiras sobre o sobrado dos bonecos. Quando isso acontecia o Zé descia do tamanco e gritava que aquilo era tudo mentira e mandava o guia estudar.
Meu pai o Zé Pinto foi muito importante na formação do que sou hoje, embora eu não seja nada. Meu pai era conhecido de todo o Paraty, nos tempos em que todos eram praticamente da mesma família, era respeitado tanto na cidade como na zona rural onde realizou muitas obras. Ele participou do serviço público quando ainda se trabalhava com devoção neste setor. Por diversas vezes eu ainda menino vi meu pai sair de casa de madrugada pra junto com seu grupo ( Luiz, Zé das Moças, Juca, Tavinho, Zé bodinho, Adenis e outros), para consertar a adutora da cidade que havia se rompido com o temporal e a enchente, por algumas vezes vi meu pai chegar carregado em casa por ter havido algum tipo de acidente. Uma vez uma árvore levada pela enxurrada quase o matou no meio do rio e só não aconteceu o pior porque estava amarrado por uma corda. Lembro de ter por diversas vezes visitado os canteiros de obras no centro histórico, quando as pedras do calçamento eram colocadas com cuidado e assentadas com bate estacas até se ter um calçamento descente (hoje se coloca com areia e batem com o cabo das colheres).
Ano passado (2007), levei um grupo de estudantes para visitar uma comunidade rural, lá estivemos na casa do senhor mais velho daquela comunidade. Este senhor nos recebeu de braços abertos e começava a contar os “causos” de sua época. Começou a me tratar como se eu fosse também um turista do grupo, ai eu disse que o conhecia e que conhecia toda sua história. O senhor se espantou e me perguntou: Quem é você menino? Quem é seu pai? Quando respondi que eu era filho de um antigo amigo dele que se chamava Zé Pinto, o homem me olhou da cabeça aos pés e vi que de seus olhos brotava uma lágrima, isso foi seguido de um forte abraço que me deixou sem fala, na conversa que se seguiu o Velho amigo me pediu pra sempre honrar o nome de meu pai que tinha sido um grande homem..
Acho que vou parar por aqui, se continuar terei de falar de muita gente boa que conheci e conheço, como seu Antonio Marcolino, Joaquim Domingos, Seu Bento Cananéia, Seu Chiquinho Meira de Tarituba, Tio Quinzinho Meira. As lágrimas já me brotam aos olhos... Até a próxima.
Renan