1932 - UM ESTRANHO NO NINHO
No início de 1932, passou por Paraty um homem bastante estranho e reservado. Este senhor chegou a cidade e hospedou-se na Pousada de Seu Calixto. Com o passar dos dias o estranho fez amizade com Seu Calixto e se identificou como professor. Dona Nanã Calixto, que também era professora se entrosou com o visitante e com ele teve várias conversas, sempre com alguma desconfiança, pois notou que o homem vivia procurando cantos pela cidade e locais estratégicos, sempre com uma caderneta na mão onde fazia várias anotações.
Depois de alguns dias na cidade, o estranho senhor, pediu ao Seu Calixto, que fechasse sua conta, pois iria para Cunha. Como tinha em Seu Calixto o único conhecido, pediu que este lhe arrumasse um cavalo e um condutor que o levasse até a cidade de Cunha. Seu Calixto conseguiu dois cavalos e pediu ao Benedito Cangoá (padrinho do maestro Potinho) que acompanhasse o estranho até Cunha, assim foi feito. Chegando lá o misterioso homem contou ao Benedito que estava muito triste e incomodado, pois não era homem acostumado a mentiras, pois devido às circunstâncias tinha sido obrigado a mentir para a família Calixto, quando se identificou como professor, quando na verdade ele era o General Izidoro Dias Lopes, comandante das forças paulistas e que havia ido a Paraty para procurar lugares estratégicos, pois iria marchar para Paraty com suas tropas e tomar a cidade. Porém deixou o Sr. Benedito Cangoá avisado que se avisasse a alguém na cidade, quando ele tomasse a Vila, este seria o primeiro a ser procurado para prestar contas a ele.
Quando a revolução constitucionalista de 1932 estourou, Paraty tornou-se parte do fronte para as tropas legalistas de Getúlio. Aqui acampavam as tropas do governo se acomodando do jeito que conseguiam para daqui subir a serra e combater os paulistas. Meu pai dizia que nestes dias Paraty sofria muito com falta de tudo e que as tropas do governo traziam enormes farnéis de carne seca e ao servir o rancho dos praças, também entravam na fila vários paratienses que se serviam a vontade da comida dos soldados.
Minha querida mãe me contava muito sobre as histórias de seu tempo de menina. Durante a guerra, as tropas de Getúlio haviam acampado na Fazenda Barra Grande onde meu avô Hermenegildo Gilbrás servia de delegado. As tropas subiam a serra à procura de inimigos e junto subia a banda marcial das tropas, carregada de instrumentos que durante a batalha na mata acabavam por abandonados devido a fuga de seus músicos pela floresta. Muitos chegavam na fazenda esfarrapados e precisando de ajuda. Um belo dia, um jovem soldado paulista chegou à fazenda, todo machucado. Havia fugido da batalha e desertado para sobreviver. Se fosse pego pelas tropas do governo sabe-se lá o que teria acontecido ao jovem rapaz. Meu avô deu abrigo ao fugitivo o escondendo nos porões da casa. Tratou seus ferimentos, alimentou e deu fuga ao soldado paulista. Como agradecimento, o soldado deu de presente a minha mãe um pequeno livro que levava consigo, “O Soldadinho de Chumbo” (livro que minha mãe me deu pelo meu interesse por história e que sumiu da casa após sua morte). Dentro do livro havia em suas páginas uma carta escrita à lápis para sua namorada de Cunha. Onde descrevia os horrores da guerra e a saudade que ele tinha dela. Também tinha rabiscado algumas dívidas que havia feito em Cunha e que pretendia pagar, como Ovos, Pão, Leite e outros gêneros. O Soldado se despediu e sumiu para nunca mais voltar.
Renan Pinto
04/09/2014